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Portugueses nos dois lados da guerra civil espanhola

  • Foto do escritor: Red Shosanna
    Red Shosanna
  • 22 de jul.
  • 4 min de leitura

Mais de 8.000 voluntários portugueses combateram na Guerra Civil espanhola no lado golpista. Constituíram o terceiro maior contingente estrangeiro, depois dos fascistas italianos e dos nazis alemães. Conhecidos como Os Viriatos, em homenagem a Viriato, o lendário líder português do século II, esta força expedicionária representou o maior contributo do regime de António Oliveira Salazar para os rebeldes espanhóis, cujo triunfo o ditador português cedo percebeu como uma oportunidade para consolidar o seu Estado Novo.


Figura sombria de origem camponesa e conhecido pelo seu estilo de vida austero, Salazar foi um discreto professor de economia na Universidade de Coimbra até 1928, altura em que foi nomeado Ministro das Finanças da ditadura militar que derrubara a I República Portuguesa dois anos antes, em 1926.

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Com ideias de direita e apoiado pela boa reputação em torno das suas políticas económicas, Salazar ascendeu na hierarquia governativa até que, em 1933, assumiu o poder, redigiu uma nova Constituição e proclamou o Estado Novo, um regime autoritário nos moldes do fascismo italiano e de outros regimes reacionários europeus. Interessado no fim de uma República Espanhola governada pela esquerda e recetivo à oposição portuguesa, Salazar prestou apoio logístico e militar aos golpistas desde o início.


Vasos Comunicadores

O ditador português não se enganou ao ligar o seu destino ao esmagamento da República Espanhola. As notícias da guerra e da revolução no país vizinho, bem como a esperança de uma vitória dos antifascistas espanhóis, encorajaram a oposição portuguesa a rearmar-se contra a ditadura. A 8 de setembro de 1936, eclodiu em Lisboa uma revolta de marinheiros próximos do Partido Comunista. Embora a rebelião tenha sido sufocada nesse mesmo dia, os marinheiros conseguiram tomar o controlo de três navios de guerra durante algumas horas. Poucos meses depois, a 4 de julho de 1937, Salazar escapou por pouco a um atentado bombista.


Refugiados na Espanha republicana, os exilados políticos portugueses fundaram durante esses anos duas organizações: a União dos Antifascistas Portugueses e a Frente Popular Portuguesa. Em outubro de 1936, os antifascistas portugueses distribuíram o manifesto "Mensagem do Verdadeiro Portugal – A ditadura de Salazar Inimiga de Espanha e do povo português", um documento que procurava dar voz ao Portugal antifascista, apresentando-se como a verdadeira nação portuguesa.


Tal como os brigadeiros italianos ou alemães, também os portugueses procuraram "limpar" a "honra nacional" dos respectivos países com a sua luta, que tinha sido "manchada" pelas respectivas ditaduras aliadas a Franco. A Guerra Civil de Espanha ofereceu-lhes a oportunidade de travar, ainda que em solo estrangeiro, a batalha que não podiam nos seus próprios países.

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Ao contrário dos combatentes de outras nacionalidades, os portugueses nunca formaram as suas próprias unidades. Quantas delas existiam? É difícil estimar, pois, como explica María José Oliveira, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, muitos espanholizaram os seus nomes e apelidos, pelo que localizá-los em arquivos é como "encontrar uma agulha num palheiro".


Oliveira, autor de uma tese de doutoramento sobre o tema e na preparação de uma monografia sobre o antifascismo português na Guerra Civil, distingue entre um grupo de militantes que vieram para Espanha especificamente para combater, ou que já estavam refugiados no país por razões políticas, e outro grupo muito maior de emigrantes económicos que, com o início do conflito, se juntaram a milícias anarquistas, socialistas ou comunistas.


A colónia portuguesa, dedicada a diversos ofícios, espalhava-se por Madrid, Barcelona, Galiza e outros territórios. Não se trata de uma comunidade pequena. Cerca de 5.000 trabalhadores portugueses residiam só nas Astúrias, a maioria mineiros de carvão. Alguns portugueses radicados na Galiza também combateram na frente asturiana, mas, após a vitória do golpe de Estado, procuraram refúgio na província vizinha.


Alguns destes antifascistas portugueses viriam a desempenhar um papel de relevo em Espanha, como Germinal de Sousa. Com uma biografia militante entre o anarquismo português e o espanhol, durante a Guerra Civil tornou-se um importante dirigente político e militar da CNT e da FAI.



Germinal de Sousa
Germinal de Sousa

Outros casos conhecidos incluem o do soldado português Alberto Alexandrino dos Santos, exilado em Espanha desde 1927 e que viria a ser oficial de alta patente do Exército da República, e o do médico e escritor Jaime Cortesão, membro da Aliança de Intelectuais Antifascistas e um dos impulsionadores da Frente Popular Portuguesa.



Alberto  Alexandrino dos Santos
Alberto Alexandrino dos Santos

Merece especial destaque o caso de Jaime de Morais, oficial da Marinha portuguesa que fora acolhido em Espanha após o golpe de Estado no seu país. Em 1938, tentou, sem sucesso, organizar uma expedição armada de exilados a Portugal para desestabilizar o regime de Salazar, com o apoio da República Espanhola e da oposição interna. O curso da guerra frustraria este plano.



Jaime de Morais
Jaime de Morais

Para além destes grandes nomes, a guerra seria, segundo Oliveira, a escola para muitos homens e mulheres da classe operária portuguesa que emigraram para Espanha por razões económicas e que, em alguns casos, até aprenderam a ler durante o conflito, graças aos programas de alfabetização implementados nas trincheiras e na retaguarda pelo governo republicano. Muitos uniriam os seus destinos aos do lado antifascista, sofrendo prisão, exílio ou morte, tanto na frente de combate como nos pelotões de fuzilamento.


O fim da guerra não significaria o fim desta profunda identificação com Espanha para muitos destes antifascistas portugueses. Exilados novamente após a derrota da República, no exílio francês, explica María José Oliveira, “muitos renunciaram à nacionalidade portuguesa para serem enterrados como republicanos espanhóis, por vezes com a bandeira tricolor sobre os seus caixões”.


Este artigo foi traduzido na integra do site :https://www.elsaltodiario.com/

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